PRIMEIRO SITE DE VARIEDADES DA WEB!

-

-
BannerFans.com

RESISTENCIA INTERNATIONAL

RESISTENCIA INTERNATIONAL

RESISTÊNCIA INTERNACIONAL

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

CULT 4 - 15/01/2010

CONTO - By Marcelo Smith

IMAGENS

Quando os homens deixaram de amar, veio a guerra. Quando os homens deixaram de saber o que é certo e o que é errado, veio a fome. Os uniformes se foram e vieram a fome, o desemprego, a injustiça social, as drogas, as favelas.

Nascemos sob o jugo de uma ditadura que realmente ditou as ordens por aqui. Parece ser redundante, mas a palavra ditadura é dúbia. Existem ditaduras violentas, mas também existem aquelas que são “democráticas”. O voto é teoricamente livre, existe censura, mas não é aberta, etc. Bem, divagações à parte, vamos ao que interessa . A minha geração nasceu sobre a ordem da baioneta e do canhão. Vivíamos oprimidos com as liberdades cerciadas, sem direito ao voto, à consciência política. Nada, nada era permitido. Eu era um daqueles sonhadores que acreditavam que o mundo tinha jeito, tinha solução. Bastavam que os pensadores brigassem pelos seus ideais que tudo estaria resolvido. Engano meu. Eu era um idealista. E agora, hum... Sou um financista. É, trabalho no mercado financeiro. Vivo cercando os números, o sobe e desce das bolsas, do dólar. Comunista de outros tempos, capitalista de agora.

Passava das 17:30 e eu ainda estava debruçado no meu computador, aliás, nos meus computadores, pois eu tinha dois, verificando os últimos números da bolsa de Nova York. Dia calorento aquele. O ar condicionado não dava vazão. Morava em São Paulo, mas naqueles tempos fazia um calor enorme. Odiava o calor. Me dava nojo. Tinha que usar terno e gravata. Ficava suado pra cacete. No fim do dia o desodorante vencia, um cheiro de “queijo azedo” se espalhava sobre o meu corpo. Era assim todos aqueles dias “filhos da puta” de calor. Estava tão quente que os meus miolos pareciam que iam explodir. Precisava ir para casa, tomar um bom banho e relaxar. Iria checar apenas mais alguns números e chega! Estava na hora de ir para casa. No meio daquele desespero numérico, parei um pouco e fiz uma reflexão: “Ir para casa? Pra quê? Não tenho mulher, filhos... Jantar, não tem... Porra, eu sou um “fudido” mesmo. Trinta e dois anos, sem filhos, sem mulher, bom salário, bom dinheiro no banco, bonito e nada. Não construí nada.” Fiquei um pouco deprimido, mas me reconfortei com os números. Estava fazendo uma operação de 1 milhão de dólares dos quais iam pelo menos 10 mil para minha “gordinha conta bancária” - “Pronto, terminei a operação, estou pronto para curtir mais uma noite de solidão.”

Arrumei minha mesa, tranquei tudo, peguei as chaves do carro e rumei para o elevador. Cheguei na garagem. Peguei meu carrão, valia uns 60 mil dólares, desci a ladeira que dá acesso ao prédio e ganhei a rua. O burburinho das seis da tarde era completo. Carro pra “caralho”, ônibus, taxis, avenida Paulista engarrafada. Morava perto, mas levei uma hora para chegar em casa. Cheguei muito estressado. Abri um vinho e sorvi um gole. A bebida por incrível que pareça, acalma os homens. Me senti melhor. Tirei toda a roupa e tomei um gelado e precioso banho de pelos menos 30 minutos. Saí do banheiro ainda molhado e fui para o quarto. Sentei na cama para enxugar os pés e os dedos. Quando me estiquei para pegar minhas roupas no armário, senti um pontada no peito. Tentei me mexer, mas foi em vão. A dor era forte demais. Foi adormecendo os braços, as pernas.... Até que .... Desmaiei! Perdi os sentidos e fiquei assim não sei por quanto tempo. Perdi a noção de tempo e espaço. Tentava acordar, mas era em vão. Tentei me mexer, mas os membros não respondiam. Nossa! Será que morri? Será que o fim havia chegado? Senti medo, muito medo. A sensação de perda era enorme. Quem iria me ajudar, me socorrer. Durante toda a minha vida afastei as pessoas, por isso não tinha nem amigos e nem vizinhos que me queriam bem. Mulheres, merda! Tive um monte, para meia-hora de gozo e nada mais. Ninguém me ligava, nem os meus pais. Posso dizer que, nos moldes atuais, eu era considerado um homem bonito, mas ninguém se aproximava de mim. Aliás, eu nunca deixei que isso acontecesse.

Aos 16 anos eu era militante ativo do PCBR, um partido de esquerda, clandestino na época da ditadura militar aqui no Brasil. O ano era 1968. Ano do medo, da violência, da tortura. A minha função na organização era simples. Por ser menor, participava apenas da entrega de panfletos e da organização dos materiais de distribuição. Nada de passeatas, de atentados ou quaisquer tipo de manisfestação mais violenta. Era magrinho, cheio de espinhas nas cara, fruto dos hormônios em ebulição. Assim, segui no PCBR até os 20 anos. Quando completei esta idade, passei para a Universidade de São Paulo, ía cursar economia. Aí começou o meu momento de mudança. Os ideais de esquerda se perderam. Me apaixonei pelo capital e pelos ganhos que isso podia me gerar, e segui por outro caminho. Minha carreira foi meteórica, com 25 estava formado e bem empregado numa corretora. Tinha um salário alto, andava bem vestido e cheiroso. Mulheres mil me davam bola, mas eu só queria saber de números, dos ganhos com o dinheiro. Comi todas elas e só. No final disso tudo, estava só. Muito só. Triste, não?

Finalmente consegui abrir os olhos, estava num local estranho, afinal será que alguém me socorreu? Bem, abri os olhos, mas não conseguia me mexer. Vi um homem de branco de costas. Tentei chamá-lo, mas a tentativa foi em vão. Ele virou-se para mim, como se eu não existisse, e com um bisturi, se aproximou, em direção ao meu peito e cortou fundo. Senti quando tirou órgão por órgão. Senti a carne se dilacerando, rasgando como folha de papel. De repente me senti vazio, sem órgão nenhum. Não entendi o que era aquilo. Estava ficando louco? Era tudo uma ilusão?! Vi o homem depositar o coração numa bacia cheia de um líquido verde. O pulmão foi para o lixo, preto, pois eu fumava 20 cigarros por dia. Fiquei horrorizado com todas aquelas cenas. Tentei colocar o juízo em dia, mas continuava perdido naquelas imagens. Imagens que anunciavam algo de estranho e tenebroso. Não haveria mais futuro, mais dinheiro, mais nada. Acreditei que aquilo era o fim. Como?! Tirou os meus órgãos e continuei assistindo à tudo? Se tirou os meus órgãos, eu deveria estar morto, mas não estava. Será que existe vida após a morte? Nunca acreditei nessa “porra”. Odiava tudo isso, gnomos, rezas, orações. Achava tudo charlatanismo. Não acreditava nem em Deus. A razão era o dinheiro, para mim. Tentei decifrar as imagens, mas nada soava como explicação. Tentei dormir, não consegui. A minha cabeça rodava, os meus olhos abriam sozinhos. Porra, que sensação esquisita. Sentia muitas dores. Dores do corpo, dores da alma. E assim se destruiu um homem, uma vida que poderia ter sido voltada para o semelhante. E nada, só restava uma conta bancária que certamente iria para o governo, um carro, um apartamento e um corpo corroído...

Daquele estado não houve volta, e sofri longos anos aquelas sensações. Hoje, ainda não tenho consciência de nada. Continuo na mesma mesa, e todos os dias pessoas de branco abrem o meu peito e estudam o meu cadáver.

Pense bem. A vida não é uma só. Ela é um fio que se cumpre por etapas. Não queime uma dessas etapas. As imagens de uma etapa perdida são frias e cruéis.

Acordei na minha cama, na presença da minha mãe e do meu pai. Por sorte eles tinham me programado uma visita naquele fatídico dia em que vi o futuro de um homem que se destruía sem saber. Muitos homens estão nesse estágio. E muitos deles não vão ter a oportunidade que tive.

Agradeço por pelo menos, ao longo de todo esse tempo, ter guardado um micro espaço na minha mente para as reflexões, para a filosofia e a literatura. Dessa forma, consegui o passaporte para o retorno.

Dessa vez foi um pequeno desmaio de 15 minutos, após um dia de intenso trabalho.

De outra vez, pode ser verdade. E aí meu amigo, dessas imagens não haverá volta.


2 comentários:

Kêco disse...

Marceleza,

Texto Fodidaço! E tu sabe que eu, com minha cabeça de cineasta,li tudo visualizando cena por cena. MUITO FODA, meu irmão!! Parabéns.

Kêco

Unknown disse...

Monstro Smith!!
Que vida sofrida vc teve em!!
Como já dizia o poeta, O talento educa-se na calma, o carater, no tumulto da vida!!
Coisa de cachorro doido!!
Abraçao!
Luiz